Lembrar a luta e as vitórias da única revolução popular que chegou ao poder no Brasil foi objetivo do Ato Político e Cultural realizado na manhã deste domingo, 07, em Belém. O Grande Cortejo Cabano reuniu movimentos sociais para lembrar os 189 anos da revolução que tirou do poder o representante do governo brasileiro e conseguiu governar por três anos a capital.
Os ideais de justiça e liberdade ecoaram por Belém naquele longínquo 1835, alavancados pela repressão do governo imperial sobre o povo pobre e simples de Belém e pela violência com que povo era tratado. Mesmo sendo um movimento vitorioso, hoje é relegado ao esquecimento pelos livros de história, lembra o representante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Miguel Dantas.
“A importância de lembrar esse movimento em 2024 é porque a Cabanagem foi silenciada através do tempo. A história oficial tentou apagar a Cabanagem do mapa. Se você pegar hoje os livros de história, a Cabanagem está em dois parágrafos. E por que isso? Porque faz parte de um projeto não deixar que o povo do Norte, o povo que é explorado ainda hoje, que têm seus direitos retirados, que vê suas reservas naturais sendo enviadas para o exterior, tenham essa memória, a memória desses revolucionários que lutavam por direitos. Querem que não saibamos que somos capazes de vencer a luta contra a exploração”, diz Miguel Dantas.
Manter viva a luta
O integrante do Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas (MLB), Gian Borges, 25 anos, psicólogo, faz coro sobre a importância de se manter viva a luta e os ideais cabanos.
“É extremamente importante que a prefeitura esteja à frente desse processo de retomar a memória do que foi a Cabanagem, porque é um conhecimento muito negligenciado pela nossa população. Eu mesmo ouvi falar muito por alto do que era o movimento cabano e só depois de participar dos movimentos sociais foi que eu passei a conhecer melhor a Cabanagem. A população precisa saber o que foi esse movimento da cabanagem e saber que é possível, sim, o povo tomar o poder e construir uma grande revolução em nosso estado”, aponta o participante.
O Grande Cortejo Cabano começou na Praça do Relógio às 9h, com os representantes dos movimentos sociais fazendo falas sobre como hoje os ideais cabanos ainda precisam ser exaltados diante da conjuntura política existente no Brasil e no mundo. O Coordenador de Relações Internacionais da Prefeitura de Belém, Luiz Arnaldo Campos, lembra que as questões que levaram o povo ao levante em 1835 continuam em vigor até hoje.
“São duas questões importantes que devem ser levantadas ao lembrar do evento da Cabanagem: Uma, o povo pode se unir. Na Cabanagem tivemos indigenas, negros escravizados, gente pobre da cidade, ribeirinhos, lutando por uma causa comum, embora com vários interesses, conseguiram se unificar. Dois, o povo pode lutar. Pode dizer que não está satisfeito e pode dar um basta. E ainda tem mais uma, o movimento da cabanagem mostra que o povo pode ousar ser governo, se autogovernar e dizer que a melhor forma de ser governo é o governo que o povo produz”, explica o coordenador.
O ato político e cultural terminou no Boulevard da Gastronomia com a banda da Guarda Municipal e com a encenação da Revolução Cabana.
Cabanagem
A Revolução da Cabanagem, que durou de 1835 a 1840, foi a única das revoluções brasileiras da época que conseguiu tomar o poder do Governo Imperial Brasileiro e governou a capital por três anos. Formados, em sua maioria, por negros, pobres das cidades, indígenas e ribeirinhos, os cabanos lutaram contra as imposições do poder central brasileiro que acentuou a crise social e econômica vivida na região.
Na noite de Reis, de 6 de janeiro de 1835, a sede governamental de Belém do Pará foi tomada pelos cabanos, que instituiram o novo presidente, o militar Félix Clemente Malcher. Porém, Clemente Malcher, mais identificado com a elite dominante, traiu a revolta, sendo sucedido por outro lider do movimento, Eduardo Angelim.
Mesmo quando o império conseguiu, por meio de muita repressão, retomar o poder na capital, muitos cabanos continuaram a lutar pelo interior do Estado. O império usou novamente o poderio militar para sufocar a revolta e, em 1840, promoveu um extermínio em massa da população paraense. Estima-se que cerca de 30 a 40% da população de cem mil habitantes do Grão-Pará tenham morrido no conflito.
Em homenagem ao movimento Cabano, em 1985 foi erguido um monumento, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na entrada da cidade de Belém, o Memorial da Cabanagem.