Quando em 1975 o cantor e compositor Chico Buarque escreveu “Sei que há léguas a nos separar/ tanto mar, tanto mar/ sei, também, que é preciso, pá/ navegar, navegar”, na música “Tanto Mar”, não imaginou que ela seria inspiração indireta ao projeto "Léguas a nos Separar", do cineasta paraense Vitor Souza Lima, que nem era nascido à época da criação da música.
Vitor é paraense, mas mora no Rio de Janeiro desde 2011 e está no meio das gravações do documentário "Léguas a nos Separar", que se propõe a construir uma narrativa baseada em visitas a 14 cidades paraenses e a outras 14 portuguesas que têm o mesmo nome. São duplas de cidades homônimas separadas pelo oceano Atlântico: Alenquer, Almeirim, Aveiro, Bragança, Chaves, Faro, Melgaço, Óbidos, Portel, Santarém, Soure, Oeiras, Ourém e Viseu do Pará e de Portugal.
A premissa do documentário casa perfeitamente com o objetivo do projeto “Laços Belém - Portugal”, que é o de mostrar e vivenciar a forte influência portuguesa sobre a cultura paraense, em especial na gastronomia. O projeto será realizado em Belém, nos dias 7 e 8 de junho, em uma promoção da Prefeitura de Belém, por meio da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem).
No primeiro dia do evento, a programação é fechada para convidados e autoridades, em jantar no qual a cantora Fafá de Belém será nomeada a Embaixadora dos Laços Belém - Portugal. No dia seguinte, a programação é aberta ao público, e se desenrola entre a Estação das Docas, a praça Frei Caetano Brandão e a igreja de Santo Alexandre, das 9 às 23 horas.
Início - Vitor conta que de vez em quando alguém lhe pergunta sobre o que é o projeto "Léguas a nos Separar”: “Minha resposta é básica e digo que é um documentário poético sobre 14 cidades homônimas entre o Pará e Portugal, ou seja, 14 pares de cidades-irmãs. Mas isso é apenas um pretexto para falar de outras coisas, um dispositivo para tratar de outras questões da memória, das lembranças, ao que respondo: onde habita a sua saudade?”.
Há dois anos Vitor decidiu começar o documentário e iniciou uma trajetória pelas cidades portuguesas. Em maio de 2016, após percorrer as cidades de Alenquer, Almeirim, Santarém, Portel, Faro, Óbidos, Ourém, Aveiro, Soure, Viseu e Melgaço e ao iniciar a visita a Bragança, recebeu a notícia da morte da avó dele, o que mudou o rumo da viagem e do projeto.
“Foi difícil me despedir dela a tantas léguas de distância. Corri para a agência de turismo mais próxima e comprei uma passagem para Belém. Não consegui mais pensar em outra coisa. Fui almoçar e pedi uma sobremesa de nata com framboesa, que a minha avó adoraria pedir uma prova, como fazia com todos os doces”, conta Vitor. “E em uma grande coincidência, minha avó nasceu em Bragança, no Pará, e faleceu justamente quando eu estava na cidade homônima portuguesa”, relembra.
No segundo semestre de 2016, Vítor inscreveu o projeto para dois editais, mas não foi aprovado. Ele decidiu que enquanto o projeto não tivesse incentivo financeiro, não o continuaria. “Juntar R$ 15 mil por conta própria para fazer a primeira etapa do filme em Portugal foi muito sacrificante. E trabalhando por conta própria ficaria ainda mais difícil me dar a esse luxo novamente”, conta.
No início de janeiro deste ano, o projeto foi selecionado no edital Seiva - Prêmio Pesquisa e Experimentação Artística, promovido pelo Governo do Estado do Pará, por meio da Fundação Cultural do Pará (FCP), sendo um dos 25 premiados no certame. Quase dois anos depois do início do projeto, Vítor retornou às terras lusitanas para concluir ainda a primeira etapa do projeto.
História - O processo de formação territorial no estado do Pará se deu em grande parte por meio dos portugueses, ocupações militares e missões religiosas, com a fundação de Belém, em 1616, se dando neste contexto. A construção do fortim do Presépio dá início ao processo de colonização e exploração que se inicia na foz do rio Amazonas. Bragança foi a quarta vila criada no território paraense, em 1663, embora suas origens remontem ao ano de 1622, antes das fundações das vilas de Cametá (1634) e de Gurupá (1639).
Durante o século XVIII foram fundadas 62 freguesias, a maioria delas atrelada às missões e aldeias administradas pelos missionários religiosos. Em meados do século XVIII, a coroa portuguesa enfrentava grave crise econômica e o Marquês de Pombal, primeiro conde de Oeiras (em Portugal), implantou um vasto programa de reformas sociais, políticas e econômicas.
No campo religioso, Pombal expulsou os jesuítas e as missões, então, passaram à condição de vilas que receberam o mesmo nome de localidades portuguesas, substituindo as denominações indígenas que mantinham até então. As localidades são Aveiro, fundada em 1751; Ourém, de 1752; Soure, de 1757; e Alenquer, Almeirim, Chaves, Faro, Melgaço, Óbidos, Oeiras, Portel, Santarém, fundadas em 1758. Viseu até 1856 pertencia ao território de Bragança.
Até meados do século XIX, a influência dos portugueses na vida econômica e política paraense era tão forte que o processo de independência do Brasil, oficializado em 1822, não foi reconhecido pela então Província do Grão-Pará. A adesão à independência só viria a ocorrer um ano mais tarde, no dia 15 de agosto de 1823.
Vítor diz que esse contexto histórico representa apenas o ponto de partida do projeto "Léguas a nos Separar". “O pretexto foi desvendar e construir relações imagéticas entre territórios homônimos, no Pará e em Portugal. Trata-se de um exercício poético acerca das visualidades de cada território em um ensaio documental baseado na pesquisa do olhar e dos olhares”, explica o cineasta.
Trajetória - Após completar a fase portuguesa do projeto, Vitor está em andanças pelo Pará. “A vantagem de Portugal é que as cidades são próximas e os autocarros, como são chamados os ônibus do lado de lá, cobrem todos os percursos. Aí já dá pra perceber uma diferença gritante com relação à segunda etapa, que é em solo paraense. Do lado de cá, tem água para danar separando os territórios e a maioria dos deslocamentos não podem ser de outra forma, que não seja em embarcações”, diz Vitor.
Em Portugal, há dois anos, Vítor começou a viagens pela cidade de Alenquer e vieram na sequência Santarém, Almeirim, Portel, Faro, Óbidos, Ourém, Aveiro, Soure, Viseu e Melgaço. O cineasta só retomou as filmagens, que ele fez sozinho, em abril deste ano, e retornou para cobrir as cidades de Bragança, Chaves e Oeiras.
“Quase dois anos depois, retornei a Portugal e comecei de onde parei. Dos três dias que eu passaria em Bragança em 2016, ficou faltando um. Se estava em débito, por que não pagá-lo? Invariavelmente, as memórias afetivas voltaram. Depois, visitei Chaves, Oeiras e voltei também a Alenquer, onde, por uma falha técnica, tive que refazer umas cenas”, relembra.
Pará - Em maio deste ano, agora com assistência de Sérgio Rodrigues, Vítor começou a saga em terras paraenses. A dupla de cineastas já passou por Faro, Santarém, Aveiro, Alenquer, Óbidos e Almeirim, todas elas cidades na região oeste do Pará, e também em Portel, na região da ilha do Marajó. No último final de semana, eles estiveram em Soure, também no Marajó, e estão se preparando para começar por Ourém, a parte da região nordeste do Estado, o que inclui Bragança.
A última parada será a cidade de Chaves. Mas para chegar até lá, Vitor e Sérgio vão precisar ir para Macapá (AP) e de lá para o município paraense.
Sobre as distâncias entre as cidades paraenses, Vitor tem muitas histórias a contar. “Se em Portugal se leva dez minutos para ir de Santarém a Almeirim, pois basta atravessar uma ponte, no Pará foi a segunda viagem mais longa da expedição. Quase oito horas a bordo da única lancha que faz o trajeto de Santarém para Almeirim, com paradas em Monte Alegre, Prainha e Porto de Moz como destino final. O itinerário é oferecido somente duas vezes na semana”, conta.
Quase ao final das gravações do documentário, Vítor começa a respirar mais tranquilamente. “Seis anos após os primeiros pensamentos embrionários de algo que eu nem sabia direito o que viria a ser, eu estou prestes a completar esse projeto, que até hoje também não tenho certeza do que exatamente é. Mas sei que ele é”, completa.
Serviço:
Evento “Laços Belém - Portugal”, no dia 8 (sexta-feira), das 9h às 18h, exposições, debates e recital de poesias com a cantora Lucinnha Bastos, na Estação das Docas. A partir das 17h, Festival Gastronômico com venda de comidas e bebidas em barraquinhas na praça Frei Caetano Brandão, na Cidade Velha; às 19h, show de Fafá de Belém, na igreja de Santo Alexandre (com transmissão ao vivo para a praça); e às 21h, show de danças folclóricas com o grupo Mistura Regional e “Alba Mariah Canta Belém - Portugal”, também na praça. Programação gratuita.