A ocupação Vila da Barca, no bairro da Sacramenta, em Belém, é um problema social que já se arrasta há mais de 70 anos, quando os primeiros moradores começaram a tomar posse, em casas sobre palafitas, de uma estreita faixa de terra à beira do rio Pará. Em 2007, a primeira tentativa de urbanização do local foi entregue na forma de 136 unidades habitacionais, mas o problema de atraso nas obras de novas casas ainda persiste.
As reivindicações e anseios dos moradores foram discutidos em uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), na manhã desta quarta-feira, 24, no auditório da sede do órgão, no bairro do Umarizal, que teve a presença de entidades fiscalizadoras federais, assessores da Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), Corpo de Bombeiros e pessoas da comunidade da Vila da Barca.
O MPF convocou a audiência pública, depois de uma vistoria na área da Vila da Barca, no início do ano passado, juntamente com a Defensoria Pública da União (DPU), para que fosse discutida a situação do projeto de urbanização no local. A Vila da Barca é considerada o maior bairro sobre palafitas da América Latina e no local deveria estar instalado um projeto habitacional com verbas federais, mas o projeto está paralisado e ainda falta construir mais de 500 moradias.
Em relatório, o MPF e a DPU constataram o abandono de obras de urbanização e classificaram de ‘situação de calamidade’ o estado das famílias que ainda moram nas palafitas, onde não foi identificada prestação regular de serviços de saneamento básico, de segurança pública e de manutenção das pontes. Além disso, moradores desalojados pelo projeto reclamam de atrasos no pagamento do auxílio aluguel e de defasagem no valor desse auxílio.
Audiência - Para agilizar a audiência, o procurador da República Felipe de Moura Palha e Silva encaminhou aos interessados os questionamentos sobre o assunto, antecipadamente, e todos puderam se inteirar das questões antes da audiência.
Os questionamentos à Prefeitura de Belém, por meio da Sehab, foram voltados a pontos como o prazo de entrega das obras, recursos financeiros para as construções e também sobre o real número de pessoas que serão atingidas pelas obras.
A diretora geral da Sehab, Sheila Corrêa, disse que as obras de reurbanização na Vila da Barca são divididas em três etapas. “Essas etapas são necessárias para que possamos nos adequar aos vários contratos de repasses entre a Prefeitura e a Caixa. Na etapa um, foram entregues 136 unidades em dezembro de 2007. A etapa dois tem três fases, que terão 90 unidades, das quais, 12 foram entregues em 2013, mas o restante já está contratado. Já da etapa três, foram entregues oito unidades, em 2016”, explicou Sheila.
A diretora chama a atenção ao fato de que a gestão do prefeito Zenaldo Coutinho recebeu as obras paralisadas, com alguns vícios, em 2013. “Ao avaliar as obras, percebemos que havia casas semiconstruídas, que tínhamos que finalizar, mas esse restante da obra ficou num valor muito alto para a Prefeitura. Fizemos, então, um pedido ao Ministério das Cidades para que a obra de construção migrasse do antigo Programa de Aceleração do Crescimento para o Minha Casa, Minha Vida, o que não foi aceito, e foi quando tivemos que reprogramar todos os contratos para que ficassem viáveis à construção. As obras, em geral, têm um ano de prazo para a entrega”, detalha Sheila.
Sheila também diz que, depois de receber autorização do Ministério das Cidades, a secretaria ofereceu aos moradores a opção de eles migrarem para um dos empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida, sem qualquer ônus, mas só em torno de 20 famílias aceitaram essa proposta. “Os moradores alegam que nasceram e cresceram na Vila da Barca e que não querem ficar longe de amigos e familiares. Essa proposta ainda está em vigor e quem quiser aderir, é só nos procurar”, aponta.
Quanto à questão levantada sobre o aumento do valor do auxílio aluguel, que atualmente é de R$ 450, 00, Sheila disse que, devido à crise econômica, a Prefeitura não tem como arcar com esse custo. “E não há atraso de pagamento desse auxílio, porque ele é feito logo no início de cada mês”, afirmou Sheila.
Problemas - A líder comunitária Fátima Sá fez uma longa explanação sobre os problemas na Vila da Barca e aponta que as pessoas não querem sair do local e esperam ter moradia com dignidade. “Nós perguntamos de quem é a culpa do atraso nessas obras e a minha resposta é que alguns não souberam respeitar o dinheiro público e enganaram o povo. Queremos moradia digna e não casas com rachaduras, porque isso é desrespeito, e não queremos sair do local onde vivemos a vida inteira”, contestou.
Já o líder comunitário Paulo Ronaldo disse que a comunidade da Vila da Barca é carente de habitação digna. “Acho que neste momento, a prioridade é a conclusão do projeto, em tempo acelerado e com as falhas corrigidas”, opinou.
Deliberações - Ao final de todos os pronunciamentos, o procurador Felipe de Moura Palha e Silva disse que um dos principais problemas que o MPF encontrou foi o de que os moradores da Vila da Barca não foram ouvidos durante todo o processo de reurbanização daquele local, e que essa falta de comunicação prejudicou a todos.
“Nossa recomendação, e que já foi acatada pela Sehab, é a de que é necessário um recadastramento social de todos os moradores da Vila da Barca. Precisamos saber quem são os que recebem auxílio aluguel, quem já tem uma nova casa, quem continua sobre as palafitas, enfim, precisamos de um mapeamento completo, para então passar a agir. Vamos fazer uma nova reunião na área e somente com os moradores, mas solicitamos que esses moradores também auxiliem os assessores da secretaria, principalmente, na questão da segurança deles”, recomendou o procurador.
O procurador também afirmou que um despacho, com todas as recomendações extraídas da audiência pública, será encaminhado a todos os interessados.