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Trabalho com empatia e amor salva vidas e promove dignidade

Foto: Alessandra Serrão - NID/Comus
Trabalho com empatia e amor salva vidas e promove dignidade
Trabalho com empatia e amor salva vidas e promove dignidade
Trabalho com empatia e amor salva vidas e promove dignidade
Trabalho com empatia e amor salva vidas e promove dignidade

Composto por médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, técnicos de enfermagem e motorista, o CnR realiza, desde 2014, atendimento humanizado, levando serviços de saúde aos usuários em condição de extrema vulnerabilidade

“A rua não é pra ninguém”. Foi com essas palavras que a ex-moradora de rua, Aline Mary Lima, de 28 anos, se lembrou dos quase sete anos em que viveu nesta condição, antes de conhecer o Consultório na Rua (CnR), estratégia da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), órgão vinculado à Prefeitura de Belém.

Aos 14 anos, Aline foi morar com uma tia, após o falecimento da mãe. Foi a partir disso que tudo mudou. “O tratamento, mesmo com parentes, nunca é o mesmo. Passei por várias situações de revolta até que decidi sair de casa. Desse momento até parar nas ruas demorou um pouco, pois fui morar com outras pessoas e comecei também a usar drogas”, recorda.

Na época, vivendo nas proximidades do Ver-o-Peso, Aline conta que já havia desistido de si mesma, até ter contato com a equipe do CnR. “É muito triste quando a pessoa chega naquela situação. Todos ao redor podem desistir de ti, mas quando você mesma desiste, é difícil superar. Os profissionais do Consultório na Rua tiveram empatia comigo, eu percebi no olhar deles o interesse em me ajudar, me senti acolhida e fui adquirindo confiança, que é algo muito difícil para pessoas nessa situação. Aos poucos, fui dando abertura e tirando a casca dura que não permitia que ninguém encostasse”, contou Aline.

Consultório na Rua - Composto por médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social, técnicos de enfermagem e motorista, o CnR realiza, desde 2014, atendimento humanizado, levando serviços de saúde aos usuários em condição de extrema vulnerabilidade.

“Essas pessoas são vistas, mas geralmente ignoradas pela sociedade. Nos apresentamos como uma equipe que se doa e isso torna tudo diferente. A rua, apesar de ser um lugar de vida, ela te cobra caro, te cobra um personagem. Um ser violento, que não ouve, que é intransigente. E quando acessamos para além disso, é gratificante”, explica a psicóloga do CnR, Rita Rodrigues.

Atualmente, o CnR possui, em média, 600 pessoas cadastradas e inicia o atendimento itinerante a partir das 15 horas, ofertando serviços como vacinas, aconselhamento, consultas, dentre outros. A estratégia também se estende aos migrantes venezuelanos que são assistidos e recebem todo o suporte necessário com a saúde.

Fazer médico - Para o médico Vítor Nina, integrante da equipe, o CnR se funde com o próprio fazer médico. “Nos primeiros momentos, quando essa estratégia estava iniciando na cidade, eu também começava minha carreira. Ainda hoje, a experiência de trabalhar com a população de rua me surpreende e comove, por seus desafios e imprevisibilidade. São vidas atravessadas pela violência, traumas e negligência”, explicou o médico.

“Nas esquinas, nos abrigos ou nas bocas de fumo encontram-se vidas que revelam o que há de mais belo e terrível em nossa condição humana. Se doar e conhecer histórias atravessadas por abandono, violência ou silenciamento, e cuidar de alguém neste momento de vida é estar no limiar entre profundas possibilidades de mudança ou desfechos trágicos”, destacou Vítor.

Mudanças - E a vida de Aline é exemplo de uma dessas mudanças. Atualmente, estudando e morando em um abrigo, a ex-moradora de rua conta que só tem gratidão pelos serviços do CnR, embora o processo tenha sido longo e desafiador.

“As pessoas imaginam que em um estalar de dedos nós ficamos curados da drogadição ou de qualquer outro adoecimento. Pensam que, se nos ajudam, nunca vamos decepcionar ou vamos de imediato vencer na vida. Mas não funciona assim. Não se espera isso de uma pessoa há anos adoecida. Existe todo um processo, uma luta. Muitas das vezes, a equipe chegou às ruas e perguntavam ‘cadê a Aline?’. Era quando eu estava em recaída. Mas eles voltavam, eu caía de novo, até que pensei que, se havia pessoas que não desistiam de mim, por que eu iria desistir?”, se questiona Aline.

Vínculo - O mesmo trabalho humanizado dispensado há mais de um ano à Aline é levado aos moradores do entorno do Ver-o-Peso, porém, a psicóloga Rita explica que, atualmente, quando o CnR chega para atendimento, a abordagem é facilitada, já que as pessoas em situação de rua também vão em busca da equipe.

“Trabalhamos de forma muito mais tranquila, pois existe um vínculo forte e o retorno do paciente. Há pessoas, por exemplo, que iniciaram tratamento de tuberculose, que dura cerca de seis meses, e que seguem à risca as medicações e ficam curadas. Para nós, isso é uma vitória”, destacou.

Esse trabalho transformador, carregado de amor e empatia, na visão do médico Vitor Nina, o leva a praticar e a desejar outros modos de relação com a vida e com as pessoas, mesmo em cenários mais difíceis. “É tarefa também da Medicina trabalhar para vencer a miséria, haja vista o sofrimento e a morte que pode causar. É preciso clinicar pela vida, sempre”, enfatizou.

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