"O que será que será
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
Que gritam nos mercados que com certeza…”
Às 08h da manhã de uma sexta-feira no Ver-o-Peso. É onde todo dia é dia de feira. Enquanto a música de Chico Buarque toca num radinho de pilha, três vendedores de farinha jogam dama, aproveitando uma folguinha no movimento.
Cada um aproveita o recreio como gosta. Na plateia da disputa, o filho de um dos jogadores de dama se distrai com intrépidos dedos, rolando a barra de notificações do Instagram pelo celular.
O jogo de dama é improvisado num caixote de madeira. Tampinhas de água mineral viram peças, estrategicamente movimentadas pelos trabalhadores. “Isto aqui ajuda a mente ficar aberta”, diz Isaac, 50 anos.

Assistindo à barulhenta disputa no tabuleiro improvisado, estão seu Claudio, 65 anos, e Welington, 31. Concorrer nas vendas com gente mais nova não assusta o mais velho. “O segredo é cativar e manter os clientes”, garante o sessentão.
Welington, com apenas 31 anos, já conseguiu o que muitos senhores vêm tentando durante anos. Em fevereiro, recebeu o alvará de funcionamento da Prefeitura de Belém, beneficiado pelo esforço da nova gestão que chegou disposta a regularizar todo mundo e botar ordem na casa.
O medo “do rapa” ficou no passado. Agora, os agentes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que chegam vestindo camiseta cor creme, viraram os “creminhos”, apelidados pelos trabalhadores da feira. A ação agora não intimida, orienta e acolhe em as dificuldades. “Fui muito bem recebido por eles e rapidinho consegui minha regularização”, comemora Welington.

Do outro lado da feira do Ver-o-Peso, outras histórias marcam vidas de diferentes idades. Dona Maria tem 77 anos e vende tucupi há quatro décadas no local. Ali pertinho, passa o vendedor de chá verde Daniel, de apenas 18 anos. Dona Maria diz que a rotina de acordar, todo dia, às 2 da manhã, a mantém viva. Daniel estuda à noite e deixa de se divertir durante o dia para acompanhar o pai nas vendas. “Adoro conhecer pessoas de todos os tipos e poder ajudar meu pai”.
A poucos metros dali, Francisco, 58 anos, acompanhado de uma imagem de Nossa Senhora de Nazaré, revela que foram a fé e as vendas que lhe devolveram a alegria. “Estava desempregado há muitos anos, enquanto enfrentava o câncer de minha esposa. Depois que me apeguei à Nazinha e comecei a vender limão aqui, na feira, virei a chave”, conta o vendedor.

Para enfrentar a concorrência, a dica de Francisco é amar os clientes como a si mesmo. Amor e acolhimento, aliás, são receita de família para muitos.
Alda e Daniele são mãe e filha que trabalham juntas, vendendo refeições. “Cuidamos uma da outra enquanto garantimos o nosso sustento”, conta a filha, de olhos marejados.

E é assim, movida pelo afeto, alegria e paixão pelas vendas, que a família Ver-o-Peso espera pela conclusão da reforma da maior feira a céu aberto da América Latina. A cada novo amanhecer da feira que pulsa 24 horas, o sol brilha para todas as idades. Renovando sonhos e trazendo diferentes canções de vida.