O projeto “Corujão da Saúde”, voltado às trabalhadoras sexuais da área central de Belém, registrou 1.200 atendimentos nas ações de testes rápidos para infecções sexualmente transmissíveis e aids (IST/Aids), vacinação, emissão de documentos e orientações sobre controle e tratamento de doenças comuns aos grupos sociais formados por prostitutas, gays, usuários de drogas, transexuais e homens que fazem sexo com outros homens, mas que não são homossexuais. A procura pelo atendimento surpreendeu a coordenação do evento, que fechou o balanço com 450 testes rápidos para HIV, hepatites B e C e sífilis, 240 doses de vacinas contra febre amarela, hepatites e antitetânicas, além da emissão de documentos.
A ação foi bem aceita pelo público. O coordenador de referência técnica de IST/Aids e Hepatites Virais da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), Cledson Sampaio, acredita que a flexibilidade do horário colaborou bastante para a grande demanda registrada na Praça da Bandeira, área central de Belém e onde está localizada uma das áreas de prostituição da capital paraense. As outras duas áreas são no bairro de São Brás e na rodovia BR-316, locais que devem receber ação semelhante após avaliação do que foi realizado na tarde e na noite desta sexta-feira, 16. “Vamos avaliar, mas é provável que voltemos a oferecer outros serviços daqui a quatro meses”, disse Cledson Sampaio.
A ação da Sesma faz parte do novo conceito do Ministério da Saúde, que simplificou o atendimento e a abordagem da clientela. O teste do HIV, por exemplo, agora é feito pela coleta da mucosa do fluído oral e o paciente recebe ali mesmo o resultado do exame. O mesmo acontece com as demais doenças do quadro das infecções sexualmente transmissíveis, como as hepatites virais e sífilis. Dos 450 testes aplicados nesta primeira ação, a surpresa ficou com o quadro de sífilis, que do total de 150 testes, 15 foram positivos. Os 300 testes para as hepatites B e C, sendo 150 de cada uma, deram resultados negativos. E os 150 testes de HIV ainda serão analisados. O importante é que os casos positivos foram encaminhados para o tratamento disponível na rede pública municipal de saúde.
“Não existe mais isolamento para se noticiar o resultado dos testes. Os próprios usuários são conscientes e encaram com naturalidade a testagem, pois estão interessados em cuidar da saúde”, explicou Cledson Sampaio. A ação visou aos indivíduos que vivem sob vulnerabilidade social, no entanto, alcançou os trabalhadores da área comercial de Belém que não dispõem de tempo suficiente para visitar um médico, tomar vacinas ou mesmo tirar um documento pessoal. “Ficamos felizes porque acabamos atendendo um segundo grupo de pessoas, por isso, vamos adaptar a próxima ação com uma virada cultural e manutenção dos atendimentos médico e cidadania”, estima Sampaio.
A expectativa da coordenação de IST/Aids é para um crescimento em torno de 30% do total de 6 mil casos confirmados de indivíduos que fazem tratamento na rede municipal de saúde. Esse volume vem de uma crescente de 800 novos casos registrados entre os anos de 2016 e 2017. A quebra do preconceito e o tratamento vêm garantindo maior longevidade aos pacientes infectados. Segundo Cledson Sampaio, o primeiro portador do vírus HIV de Belém ainda está vivo e levando uma vida normal. O segredo é manter as restrições de bebidas alcoólicas, vida sexual e alimentação.
Todos os casos positivos ainda serão submetidos a novos testes e exames mais específicos para só depois serem encaminhados ao sistema de tratamento. O local de referência é a Casa Dia, mantida pela Sesma. No local, 7 mil pacientes recebem tratamento multidisciplinar de médicos, odontólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e nutricionistas. Segundo o gerente Reginaldo Junior, o melhor remédio para combater o avanço das doenças é a prevenção.
“As pessoas precisam usar preservativos, as doenças não estão explícitas na cara da pessoa, por isso é muito importante que se mantenha o uso do preservativo”, explica o gerente. Entre os usuários da Casa Dia estão jovens na faixa etária de 18 a 25 anos e idosos entre 60 e 80 anos. “O sexo banal e as relações sexuais precoces contribuem muito para o crescimento das doenças, e graças ao tratamento de mães infectadas o número de crianças doentes é pequeno”, completa.
Parceria - O “Corujão da Saúde” foi realizado em parceria com o Grupo de Mulheres Prostitutas da Área Central de Belém (Gempac). A coordenadora política da entidade, Maria Elias Silveira, 40, avaliou positivamente o projeto por vários aspectos, entre os quais o horário e a abrangência do público. Segundo ela, 2.500 mulheres são trabalhadoras sexuais em Belém e exercem a atividade por considerá-la rentável, prazerosa e meio de vida com total liberdade. A própria Maria é trabalhadora sexual desde os 19 anos, tem um casal de filhos e encara a rotina com naturalidade. “Meus filhos sabem e não são preconceituosos”, conta.
Da atividade, Maria Elias só lamenta a falta de esclarecimentos às mulheres, pois desse total de 2.500 apenas dez pagam a Previdência para efeito de aposentadoria: “Elas precisam saber que nossa atividade é profissão e está registrada no Código 5198, da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que nos garante direito social e a possibilidade de contribuir para a Previdência Social”.
Sobre as IST/Aids, Maria Elias confirma o crescimento dos casos de sífilis em decorrência da prática de sexo oral e da cultura machista de não usar preservativos. “Algumas companheiras até usam preservativos, mas praticam o sexo oral, que também é uma forma de contágio. Uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) aponta que o sexo oral é o responsável pelo aumento dos casos de sífilis entre as prostitutas brasileiras, então é necessário maior esclarecimento”, pediu.
O projeto “Corujão da Saúde” em áreas de prostituição deve continuar neste ano. A coordenação vai avaliar este primeiro evento para depois marcar nova ação, mas é certo que o bairro de São Brás e um trecho da rodovia BR-316 serão visitados. O projeto é uma iniciativa da Sesma realizado por técnicos de enfermagem, enfermeiros e biomédicos, além de servidores capacitados para atendimento dos indivíduos em situação de vulnerabilidade social.